Talvez esta seja uma das canções da banda que primeiro desperte o interesse de um ouvinte casual dos Hermanos para a profundidade de sentido que suas composições transportam. Isso porque, em tom de conselho, o eu lírico passa a mostrar de forma simples – quase ingênua, que ao contrário do que comumente se diz, ser um vencedor não implica, necessariamente, em viver em paz. Mas vamos à canção para examinar cuidadosamente o que ela nos diz e tentar entender esse conflito à luz de toda a sua letra:
A começar pelo título, é preciso que o leitor se atente para a carga de sentido que ele carrega, buscando entender o conflito ali presente: podemos ler, mesmo que forçadamente, "Vencedor" como aquele que vence a dor: "Vence / dor", ou, ao contrário, aquele que por ela, passivamente, se dá por vencido: "Vence / dor". Teríamos, assim, duas realidades conceituais em uma mesma palavra...
A primeira estrofe (em 8 versos) parece apresentar quatro ideias essenciais divididas em dísticos – grupo de estrofes em dois versos. Elas se apresentam no imperativo, em tom aconselhador, como se convidassem o ouvinte a repensar sobre concepções já sedimentadas, reconntruindo, assim, valores proverbiais que cotidianamente se fazem presente em sociedade. E assim vai se construindo, não a imagem de um "vencedor" que seja livre de defeitos, de dificuldades, mas daquele que está propício a errar, que é imperfeito e que enxerga vitória na simplicidade das coisas da vida. E é nesse sentido que podemos entender o primeiro dístico:
Olha lá quem vem do lado oposto
e vem sem gosto de viver
Nele, pode-se entender o lado oposto como um modo de viver contrário àquilo que é natural da vida. Como um caminho, supostamente, tomado por aqueles que acreditam cegamente num mundo de fantasias, de utopias, em que a imagem do vencedor, do herói, é construída à distância de uma realidade sincera. Ao contrário, ela se torna parecida com a realidade a que vemos ingenuamente representada em filmes e seriados de TV. Em outra canção do mesmo album, em " Cara estranho", o eu lírico menciona essa representação:
Talvez se nunca mais tentar
viver o cara da TV
que vence a briga sem suar
e ganha aplausos sem querer
(...)
Olha lá que os bravos são escravos
sãos e salvos de sofrer
Nos dísticos finais da estrofe, o eu lírico dá continuidade à reelaboração do conceito de "vencedor" e deixa bem claro que perder não significa, necessariamente, ter uma vida de menos êxitos ou uma vida menor. Ou seja, a busca incessante pela vitória acaba por apagar, ou fazer perecer a glória de chorar. Afinal, o que seria se não houvesse momentos de choro e tristeza, o que restaria da vida se não houvesse momentos de perda – e reflexão. Uma composição que talvez faça florescer essa ideia está presente no refrão da canção Perdendo os Dentes, de John Ulhoa e Fernanda Takai:
As brigas que ganhei
Nem um troféu
Como lembrança
Pra casa eu levei
Como lembrança
Pra casa eu levei
As brigas que perdi
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci
Estas sim
Eu nunca esqueci
Eu nunca esqueci
(...)
Já na segunda estrofe da canção o eu lírico surge em primeira pessoa dividindo, visualmente, as estrofes anteriores das estrofes seguintes, marcando assim uma passagem clara que pode ser, inclusive, observada no andamento da música. Logo, observa-se que, se no início da canção ele se referia à condição do outro, a partir de agora ele passa a falar de si mesmo e de como passou a enxergar a vida. Uma vida em que ele tem a liberdade de divagar a procura de respostas, sem se preocupar em competir, sem se preocupar em ser um vencedor:
E eu que já não quero mais ser um vencedor,
levo a vida devagar pra não faltar amor
Olha você e diz que não
vive a esconder o coração